quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Mais reflexões sobre “culpar a vítima” e o modo de se vestir



A ortodoxia feminista diz que “culpar a vítima” faz parte de uma estratégia de dominação. Seria uma maneira de manter as mulheres “na linha”, de aproveitar cada notícia de estupro ou assédio como um alerta moralista,  “tá vendo, filha, você também não devia andar se mostrando tanto por aí..”. E essa acusação das feministas até faz sentido. Embora seja difícil de quantificar, é inegável que boa parte dos homens (e das mulheres) têm um interesse real em fiscalizar a vestimenta alheia. Mas isso não significa que eles estejam totalmente errados, que não haja um fundo de verdade, e uma preocupação sincera com a segurança das mulheres. Ora, alguém acha realmente que um pai, por mais machista e conservador que seja, está mais preocupado em “oprimir o gênero feminino” do que com a segurança da filha?

OBS: Aqui é importante diferenciar estupro do que estou chamando de assédio. Entenda "assédio" como "assédio verbal na rua, cometido por desconhecido". A questão do estupro é mais complexa e não será tratada neste post.

Tão importante quanto tentar diminuir a incidência de assédio no futuro (denunciando, educando melhor as crianças, fazendo campanhas, etc) é reduzir o risco de assédio para cada mulher que sairá à rua amanhã.  A estratégia feminista de “foda-se, posso me vestir como quiser” pode beneficiar a sociedade no longo prazo, mas ao custo de aumentar o risco e o aborrecimento cotidiano para a mulher que vive por esse mantra. Não estou dizendo que a feminista que pensa e age desse jeito esteja errada. Ela tem todo o direito! Só acho que ela não deveria sustentar sua filosofia em mentiras. Não diga que você se veste como quer porque “isso não influencia em nada na questão do assédio”. Diga que você entende que pode estar aumentando seu risco, mas que sua liberdade e sua consciência são mais importantes.

Muitas feministas adoram se iludir com exemplos anedóticos do tipo: “todas as vezes que eu fui assediada na rua ou no ônibus, estava com roupas normais! Esse papo de que roupa provocante aumenta o risco é uma mentira”. Esse raciocínio é muito frequente e aparentemente lógico, mas uma analogia simples nos ajuda a entender o erro. Pense no cinto de segurança. Sabemos que, entre os motoristas, a grande maioria usa o cinto. Mesmo assim, muitos motoristas morrem em acidentes de trânsito. Inclusive, a maioria dos motoristas mortos no trânsito estava usando cinto! Será que alguém concluiria, a partir desses fatos, que o cinto de segurança é inútil? Claro que não! Então será que faz sentido concluir que, só porque os casos de assédio que você tem conhecimento foram com “roupas normais”, o tipo de roupa não influencia no risco de assédio? Ora, pela própria definição de “roupa normal”, é esse tipo de roupa que a maioria das mulheres vai vestir a maior parte do tempo... e é normal que a maioria dos assédios ocorra justamente com roupas normais! Isso não nos diz NADA sobre o quanto de assédio uma mesma mulher sofreria SE estivesse usando roupas provocantes todo esse tempo. É óbvio que ela teria sofrido muito mais assédio.

Ninguém está dizendo que usar roupas normais, ou mesmo ultra-recatadas, vai te imunizar contra assédio e estupro (assim como o cinto de segurança não imuniza ninguém de morrer num acidente de carro); e ninguém têm os dados necessários para saber o QUANTO a roupa influencia na chance de ser assediada/atacada/estuprada. Algumas feministas, convenientemente, apontam para essa falta de estatísticas que apoiem a relação roupa-assédio. Tudo bem, mas isso vale para os dois lados. Onde estão as provas de que “a roupa não influencia”? Ora, é essa posição que mais precisa de evidência estatística, porque desafia o senso comum e até a lógica. Desafia a lógica porque a função da roupa sexy é justamente chamar a atenção, atrair olhares. Seria muito estranho que esse tipo de roupa conseguisse provocar apenas mais olhares, e não mais assédio.

No fim das contas, a decisão de como se vestir – ou, mais genericamente, de como agir perante a sociedade escrota em que vivemos – é estritamente pessoal, não existe uma maneira “certa” de encarar a questão. A mulher que decide “se reprimir” para diminuir seu risco (vestindo-se de maneira mais conservadora do que gostaria) não é fraca nem menos feminista por isso; ela pode estar apenas sendo racional e prudente, ela pode valorizar mais a paz de espírito que a liberdade. Da mesma forma, o pai que aconselha a filha a não usar roupas curtas não é necessariamente machista e controlador (e, mesmo que seja, a preocupação com a segurança da filha não deixa de ser válida). Você é livre para se vestir como quiser, mas é melhor fazer isso baseada nas razões certas, não em mitos bonitinhos criados pelo feminismo. Não deixemos a ideologia nos cegar para o mundo real. 

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